domingo, 3 de fevereiro de 2013

As sandálias Havaianas e a força do marketing

Lembro-me que há 20 anos, o prédio onde eu morava entrou em reforma. Na época, em meio ao caos comum às obras, um fato chamou-me muita atenção: a popularidade da típica sandália havaiana – de sola e tira azul-claro e calço branco – entre pedreiros, ajudantes e peões de obra. As Havaianas eram uma visão comum nos canteiros de obra e as pessoas, em geral, associavam-nas às classes pobres. As Havaianas já eram confortáveis, flexíveis e arejadas, mas carregavam certo estigma. Elas eram usadas pelo “povão” e eram sinônimo de um produto barato e padronizado e, de certo modo, sem graça. Na década de 1980, as sandálias chegaram, inclusive, a serem consideradas como um dos itens da cesta básica, dado o seu peso e representatividade na cesta de consumo do trabalhador brasileiro médio. Naqueles anos 1990, no entanto, deu-se início a uma grande virada da marca. Para enfrentar as dificuldades financeiras e a queda nas vendas das sandálias, a direção da empresa decidiu mudar o público-alvo e passou a investir pesadamente em publicidade. O objetivo estratégico das novas campanhas de marketing era claro: mudar radicalmente a percepção que todo mundo tinha do tradicional chinelo para disputar novos mercados e atrair novos consumidores, além de agregar valor ao produto. Passadas duas décadas, as Havaianas estão na moda e são associadas a pessoas chiques e “descoladas”, artistas e modelos. Tornaram-se um produto “fashion”, mas sem perder a simplicidade que lhes é característica. Hoje as havaianas estão por todo o lugar e possuem vários modelos e desenhos, estando presentes em mais de 80 países e até na cerimônia do Oscar nos EUA. A qualidade das sandálias manteve-se a mesma – com muitas inovações de design, é claro -, mas foi o marketing que fez a verdadeira diferença. Quem não se lembra das diversas propagandas memoráveis do chinelo? O lema adotado nas propagandas é fantástico: “Havaianas. Todo mundo usa”. A mensagem é feita sob medida para os tempos de globalização, além de ser democrática e includente. Eu mesmo possuo vários modelos da sandália, incluindo o tradicional azul-claro e branco. Muito se estuda na literatura econômica como a França tornou-se conhecida por produtos finos e caros. A estratégia, usada desde os tempos do rei Luiz XIII e sua Manufatura Real, cujo enfoque era o “glamour” e a qualidade dos produtos, objetiva agregar valor com base na diferenciação dos produtos. Outro caso de sucesso baseado na diferenciação são os distritos industriais italianos, que conseguem exportar e competir baseando-se na qualidade, na marca e no design, diminuindo a importância da quantidade, do preço e da produção em massa. Pois, para mim, o grande caso a ser estudado no Brasil deveria ser como a havaiana passou a ser um produto sofisticado, deixando de estar estigmatizada, para competir com as marcas de sandálias estrangeiras. A “revolução das Havaianas” deu-se em um curto período. Em tempos nos quais o produto “made in Brazil” perde competitividade frente aos importados, as Havaianas deram uma aula de como se reinventar, entrar em evidência e desbancar a concorrência, apresentando-se com preços acessíveis para quem só quer um chinelo ou custando bem mais para quem quer pagar por uma ideia estampada em sua sandália. Por Rodrigo Sias – Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)